Escavações em biblioteca pessoal rendem redescobertas maravilhosas.
Reler "Amar Se Aprende Amando", de Carlos Drummond de Andrade, revela releituras desconhecidas. Achados da sensibilidade aguçada do poeta, capaz de perverter o tempo e captar o futuro.
Em tempos de economia pujante, eis a descrição, de três décadas atrás, atemporal como a alma do escritor.
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A Bolsa, O Bolso
9.V.1971
"À Bolsa!" é o novo grito. A Bolsa, a vida
em milhares de ações reflorescida.
Investir é o mot d'ordre. Investimento
com sua rima de financiamento
A Belgo deu filhote? A Brahma chama?
A Souza Cruz do lucro atiça a flama?
Estou de olho na José Olympio
(Quere uma bolada não é ímpio.)
Discutem dois garotos. Investiram.
No quadro as cotações, atentos, miram.
Aquela é sua, bicho? Ai, antes fosse.
(Ao portador: Vale do Rio Doce.)
Viu mulher investindo? E como investe
em indústrias no Norte no Nordeste.
Já não fala em dez-mais, em longo e mídi:
é Bradesco, Banespa, BEG e BIDE.
Compre na baixa, venda na alta. Eis tudo
que se exige. De leve, de veludo.
O Banco do Brasil, a Petrobrás
estão enchendo de ouro o meu cabaz.
Que fazer com o excesso de tutu
de que meu bolso outrora andava nu?
Rumo à Bolsa de Arte, e arrematar
dois Volpi, três Dacosta e mais Guignard,
não esquecendo, é claro, Cavalcanti
(Di), Djanira, Pancetti, tutti quanti
couber na cobertura da Lagoa.
Não tenho cobertura? Oh, essa é boa.
Compro-a logo na Barra da Tijuca,
de faz-de-conta, sonho. Minha cuca
vai abrindo outras Bolsas de Valores:
de Glória, de Poder, de Amor-Amores.
A Bolsa da Beleza, a de Romance,
a de Poesia, pelo maior lance.
Ações de tudo. Até de não-agir.
de quedar no Arpoador, calmo, a sorrir.
A Bolsa de Viver em Paz... existe
só na Utopia, que, teimosa, insiste?
Uma Bolsa onde todos os papéis
se despojassem de signos cruéis,
e os bens tivessem nome de Alegria,
de Tolerância como de Harmonia.
Estou pedindo muito. Os pacifistas,
eles próprios, violentos, jogam cristas
com os belicosos. Só me resta, mesmo,
em verso pobre divagar a esmo.
O índice BV (Boa Vontade)
bate de porta em porta na cidade
de muros de granito ou de basalto,
mas quem abre, com medo de um assalto,
nas partes repartidas do planeta
cada vez mais confuso e de veneta?
Enquanto não se adensa tal miragem,
vou também, parafuso na engrenagem,
tentando o meu joguinho. A Bolsa! O bolso,
quero-o bem cheio, múltiplo reembolso.
Que títulos comprar? Aço, tecidos?
Docas, brinquedos, plásticos, sabidos
negócios, ou empresas de futuro?
Não sei se vejo claro ou vejo escuro.
Vale-me, corretor, vale-me, sorte,
nas jogadas de macro ou micro porte,
que eu prometo, se acerto na tacada,
a dica fornecer para a moçada,
e fundarei também a minha empresa
de capital aberto, em volta à mesa
de papo ameno e dose bem legal
de escocês dividendo... Então, que tal?
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Reler "Amar Se Aprende Amando", de Carlos Drummond de Andrade, revela releituras desconhecidas. Achados da sensibilidade aguçada do poeta, capaz de perverter o tempo e captar o futuro.
Em tempos de economia pujante, eis a descrição, de três décadas atrás, atemporal como a alma do escritor.
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A Bolsa, O Bolso
9.V.1971
"À Bolsa!" é o novo grito. A Bolsa, a vida
em milhares de ações reflorescida.
Investir é o mot d'ordre. Investimento
com sua rima de financiamento
A Belgo deu filhote? A Brahma chama?
A Souza Cruz do lucro atiça a flama?
Estou de olho na José Olympio
(Quere uma bolada não é ímpio.)
Discutem dois garotos. Investiram.
No quadro as cotações, atentos, miram.
Aquela é sua, bicho? Ai, antes fosse.
(Ao portador: Vale do Rio Doce.)
Viu mulher investindo? E como investe
em indústrias no Norte no Nordeste.
Já não fala em dez-mais, em longo e mídi:
é Bradesco, Banespa, BEG e BIDE.
Compre na baixa, venda na alta. Eis tudo
que se exige. De leve, de veludo.
O Banco do Brasil, a Petrobrás
estão enchendo de ouro o meu cabaz.
Que fazer com o excesso de tutu
de que meu bolso outrora andava nu?
Rumo à Bolsa de Arte, e arrematar
dois Volpi, três Dacosta e mais Guignard,
não esquecendo, é claro, Cavalcanti
(Di), Djanira, Pancetti, tutti quanti
couber na cobertura da Lagoa.
Não tenho cobertura? Oh, essa é boa.
Compro-a logo na Barra da Tijuca,
de faz-de-conta, sonho. Minha cuca
vai abrindo outras Bolsas de Valores:
de Glória, de Poder, de Amor-Amores.
A Bolsa da Beleza, a de Romance,
a de Poesia, pelo maior lance.
Ações de tudo. Até de não-agir.
de quedar no Arpoador, calmo, a sorrir.
A Bolsa de Viver em Paz... existe
só na Utopia, que, teimosa, insiste?
Uma Bolsa onde todos os papéis
se despojassem de signos cruéis,
e os bens tivessem nome de Alegria,
de Tolerância como de Harmonia.
Estou pedindo muito. Os pacifistas,
eles próprios, violentos, jogam cristas
com os belicosos. Só me resta, mesmo,
em verso pobre divagar a esmo.
O índice BV (Boa Vontade)
bate de porta em porta na cidade
de muros de granito ou de basalto,
mas quem abre, com medo de um assalto,
nas partes repartidas do planeta
cada vez mais confuso e de veneta?
Enquanto não se adensa tal miragem,
vou também, parafuso na engrenagem,
tentando o meu joguinho. A Bolsa! O bolso,
quero-o bem cheio, múltiplo reembolso.
Que títulos comprar? Aço, tecidos?
Docas, brinquedos, plásticos, sabidos
negócios, ou empresas de futuro?
Não sei se vejo claro ou vejo escuro.
Vale-me, corretor, vale-me, sorte,
nas jogadas de macro ou micro porte,
que eu prometo, se acerto na tacada,
a dica fornecer para a moçada,
e fundarei também a minha empresa
de capital aberto, em volta à mesa
de papo ameno e dose bem legal
de escocês dividendo... Então, que tal?
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