domingo, 6 de abril de 2008

Espetáculo

Deveríamos nos ater (e preocupar) mais com os rumos de nossa imprensa.

Pilar caro de uma sociedade democrática e justa, guardiã do direito à informação, deveria ser pautada pelo interesse comum e se isentar dos efeitos de uma sociedade de espetáculo.

Somos assolados na última semana pelas notícias sobre o assassinato da menina Isabela (dispenso até os links para o assunto, afinal alguém dificilmente ainda não saiba do que se trata...).

É tragédia passível de notícia, e certamente de investigação e esclarecimento por parte da polícia. Questionáveis são o destaque e a participação em nossa mídia impressa e televisiva concedida ao ocorrido, com a riqueza de detalhes e minúcias mórbidos dispensados.

Quais são os critérios de respeito à família? Será a única pauta importante nos últimos 10 dias? É o único caso violento e terrível em uma sociedade de milhões de pessoas? Há justiça na apresentação em tempo real de cada detalhe investigado, levantado ou ponderado?

O comportamento de nossos zelosos repórteres noticiosos faz vítimas constantemente, sem parecermos nos importar. Todos são vítimas: os expostos, muitas vezes injustamente, nós, os receptores desnorteados, a sociedade carente de critérios, os profissionais e o pilar social da informação, com a imagem maculada pela inconsistência.

Quem conhece o desfecho do caso do Padre Júlio Lancelotti? O resultado da investigação do Ministério Público não mereceu o mesmo destaque das suposições feitas na época das diversas notícias sobre o caso. A conclusão do inquérito é clara: "não resta dúvida de que os acusados associaram-se em quadrilha com a finalidade de praticar reiteradamente delitos de extorsão contra a vítima (padre Júlio Lancellotti) e que esses delitos ocorreram de forma continuada desde o ano de 2004".

Felizmente parte dos profissionais do meio fazem sua mea culpa. Através da Revista Imprensa, de profissionais para profissionais, matéria da edição de março/2008 aponta as preocupações com as faltas cometidas no tratamento dado ao caso do religioso. É reconhecimento de algum mecanismo de auto-regulamentação. Precisa de mais ouvidos...

Neste domingo, em artigo da Folha de São Paulo, seção cotidiano, a colunista Rosely Sayão expressa, com espanto, suas observações com os cuidados dos profissionais de imprensa no caso da menina Isabela. Ela participou da missa em memória da criança e pode presenciar o circo midiático em busca de mais "furos".

Seu artigo, intitulado "A sociedade do espetáculo", é concluído com o desabafo de uma profissional consternada e estupefata com a atitude de seus pares: "Saio carregando meu mal-estar, minha tristeza e a idéia de que o sofrimento de nossa gente é tamanho que talvez nem seja possível sofrer mais quando ocorre uma tragédia. Tempos desumanos e de barbárie este que vivemos, não?".

Algo mais precisa ser dito?

2 comentários:

René disse...

Graças a deus existem blogs como o seu, Evandro. Oxalá reflexões e textos como esse caiam mais em nossos olhos, como um raio mesmo. Muitos casos acabam ficando para trás realmente, sem sabermos o que se concluiu (ou não). Causa-me a impressão que o importante é ter quantidade de notícias. Além disso, a frieza com que se trata acontecimentos trágicos com pessoas é de dar medo mesmo. A tecnologia avança, inventos nos deixam maravilhados com a capacidade de criação de nossos cérebros... no entanto, a capacidade de relacionar-se com mais humanidade, com mais calor humano mostra ser inversamente proporcional a nossa capacidade criativa. Falta-nos equilíbrio para sermos chamados de civilização. Se tirarmos as tecnologias e inventos que nos cercam, chegaríamos a conclusão que o ser-humano ainda não pode ser chamado de Sapien-sapiens.

René disse...

Preciso fazer uma correção: Deus saiu com letra minúscula. Sorry a todos que lerem...