sexta-feira, 20 de março de 2009

Barbear

Nunca imaginei me barbear com plateia.

Rotinas da vida pós-natal. Tanto muda, tantas pequenas singularidades. Algumas chamam mais a atenção, talvez sejam mais inusitadas, talvez mais singelas.

O barbear é um ato rotineiro, um tanto solitário, meio obrigação. Você e o espelho, ninguém mais, alguns minutos para alteração da aparência.

Nos últimos tempos, estou lá, em frente ao espelho, espuma no rosto e, ao olhar para o lado, na verdade para o chão, está minha pequena a me contemplar.

Dia de barba e lá vem ela, rapidamente engatinhando e estaciona na porta do banheiro, sentadinha, intrigada com o processo de fazer espuma e esfregar no rosto.

Dirijo-lhe o olhar e recebe um sorrisinho amarelo, desconfiado, meio sem reconhecer o Papai Noel. Até poucos segundos atrás era seu papai, que começou a massagear o rosto e, de repente, surgiu aquela nuvem em volta da sua face.

Raspar a espuma, a barba, também é alvo de atenção. Um acompanhar curioso do exercício, das idas e vindas do aparelho pelas bochechas. Permanece estática, um tanto estátua, mantendo apenas a respiração abdominal profunda, típica das pequenas pessoinhas.

Deve pensar lá em suas pueris reflexões: mas o que ele está fazendo? Ou então, para que precisar de tanto trabalho? Talvez mesmo eu devesse me perguntar... Convenções, convenções, convenções. Tantas são no cotidiano que raramente nos questionamos.

Chego a me lembrar da minha infância. Todas as manhãs, preparação para escola e, entre uma arrumação ou outra, tinha tempo de admirar meu pai se barbeando. Recordação da imagem, da boa sensação da companhia, do prazer de participar do dia-a-dia.

Seja como for, parece que terei companhia por um bom tempo ainda. O ibope do meu barbear está alto e dificilmente a plateia falta. A vida ficou menos solitária. Contemplações me fazem pensar em outras pequenas realidades. Acho que um dia ainda sentirei saudades destes momentos.

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