sábado, 29 de março de 2008

Navio

Problemas filosóficos nos dizem muito.

Algo a atormentar pensadores através de nossa história é a questão da identidade. Junto a ela, como possível chave para pesquisa, a consciência.

Desejamos sempre identificar os elementos circundantes, dar-lhes personalidade, única, distinta. Rotulamos tudo e todos, tornando-os únicos em sua existência.

Mas o que somos nós? O que nos dá identidade? Qual característica nos torna perenes? A resposta está em nossa alma? Ou na manifestação física de nossa consciência?

De nosso nascimento a nosso fim, estamos em constante transformação física e psicológica. Crescemos, mudamos, amadurecemos, cicatrizamos: nunca somos a mesma matéria ou psicologia de ontem, ou de alguns segundos atrás.

Se assim ocorre, como podemos ter certeza, após longo tempo de afastamento, que um velho amigo é a pessoa encontrada? Como saber ao certo se eu sou eu mesmo? Caso haja dificuldade em ilustrar a idéia, podemos recorrer a uma antiga formulação.

Ulisses, o herói grego epopéico, singrou os mares com seus companheiros Argonautas. Para suas viagens utiliza um navio, que certamente precisou de manutenção durante sua existência. As tábuas, pregos e amarras trocados foram dispensados em algum lugar.

Suponhamos que completamente todas as peças do navio fossem substituídas. Ao final ainda teríamos o mesmo navio? Ninguém que o conhecesse duvidaria disso... E se alguém recolhesse todas as peças dispensadas, em seguida remontando o navio com elas? Teria essa pessoa o navio do herói? Qual dos dois seria o verdadeiro? Os dois?

Percebemos a relação de identidade com a história do elemento. Ela inexistiria se não tivesse navegado. Sua imagem está muito além da coleção de átomos de qualquer material do qual fosse feito.

Tal qual o barco, precisamos navegar. Caso contrário, seremos uma insignificante amontoado de tábuas, esquecido em algum cais.

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